É preciso falar de Ambev, ou não…

Olha eu entrando em uma zona perigosa. Falar de um assunto que parece ter se tornado um tabu no meio cervejeiro. É preciso falar de Ambev, e tudo o que ela representa, às claras, sem sermos passionais, sem nos iludirmos como empresários ou consumidores. Não sou expert de mercado, tampouco sou uma fabricante de cervejas diretamente atingida pela gigante. Sou uma consumidora, jornalista que um dia me encantei pelo universo das cervejas artesanais e quis fazer dele minha pauta constante, hoje talvez única.

É preciso falar de Ambev!

Assim que a Wals, de Belo Horizonte, foi vendida para a Ambev ( anúncio feito no início de 2015) senti que uma parte do meu mundinho-bairrista-cervejeiro desmoronou um tanto. A fábrica, no bairro São Francisco, que eu frequentava como extensão da minha casa, que era meu programa do almoço dos sábados, não pertencia mais aos amigos Ustane, Miguel, Thiago e Zé Felipe. Foi duro engolir a nova situação e, claro, minha tendência, como a de todo mundo naquele momento, foi a de rejeitar as cervejas ambevianas. Acontece que a amizade com a família Carneiro, antiga proprietária, não se extinguiu com a venda da cervejaria. E seria muito estranho que isso acontecesse. Me lembro que fiz uma entrevista com a presidente do Instituto Siebel de Chicago, a Lyn Kruger, logo após a venda e ao comentar sobre isso, perguntando como se dava a relação com as empresas que passaram pelo mesmo processo nos Estados Unidos, ela me respondeu que havia uma certa confusão entre negócios e pessoas. Uma coisa natural era a negociação ser rejeitada, até recriminada por muitos. Outra era passar a encarar as pessoas, amigas até então, como inimigas por terem vendido suas empresas. Ela me trouxe à realidade que é preciso encarar mercado e negócios sem romantismos. E diante disso, como poderia eu rejeitar as cervejas que meus amigos da Wals, sim continuam sendo e muito, continuam produzindo localmente, na mesma cidade, na mesma fábrica de antes?

Poucos meses depois, o anúncio da venda da Colorado. Novo baque, acostumados que estávamos com a figura do Marcelo Carneiro, sempre sorrindo, advogado das artesanais no Brasil. Vê-lo agora do lado de lá? Passando a ser “inimigo” do mercado do qual foi um dos maiores construtores e divulgadores. Novamente, pouco após a venda, uma entrevista feita por mim com empresários de Minas Gerais, que mantinham um contrato com a Colorado para a produção e distribuição exclusiva da marca em terras mineiras, repercutiu e muito. O título A Colorado que a Ambev não Comprou se alastrou rapidamente, levando o próprio Marcelo Carneiro a me procurar para dar sua versão dos fatos, infelizmente naquele momento bem confusos.

Vida que segue, Ambev seguindo adiante com aquisições de pequenas mundo afora, mercado sem saber bem o que representaria tudo isso,passamos a enxergar ” a força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Se no primeiro momento tentamos ver os lados positivos, como a possibilidade de levar as artesanais para públicos que não teriam acesso a elas, no momento seguinte passamos a ver PDVs excluindo marcas e rótulos para dar exclusividade aos rótulos do portfólio Ambev. Só que desta vez ninguém ficou calado. E o público chiou, reclamou, ameaçou boicotar. Não que isso pudesse arranhar a força da gigante, mas em tempos de redes sociais, para que manchar mais ainda a imagem da empresa? Houve um recuo, discreto, mas houve. E assim a exclusividade nos PDVs deixou de ser a arma, mas a concorrência desleal, com preços muito abaixo do que as menores podem praticar, foi o caminho encontrado. E isso pode sim quebrar muitas cervejarias!

Ação e Reação

Para toda ação existe uma reação, não é assim a lei? Mas em que proporção a reação das menores pode surtir algum efeito? Já que concorrer nos pontos de venda, ou com lobby pesado no Congresso, não é algo muito possível às pequenas cervejarias, talvez impedir as grandes de entrar em seus eventos o seja. Dentro desse pensamento, uma decisão: no Festival Brasileiro da Cerveja, em 2017, nenhuma grande indústria poderá ter estande. Assim foi decretado. Mas terá sido essa a melhor estratégia? Não teria sido mais efetivo impedir as grandes de ter estandes maiores e diferenciados? Não surtiria mais efeito colocá-las no meio das demais cervejarias, nas mesmíssimas condições, brigando pela preferência do público apenas pela qualidade de suas cervejas? Sem poder cobrar menos, sem poder fazer promoções, sem poder se sobressair com subterfúgios? Não deveria ser o consumidor o juiz da peleja? Não deveria ser o consumidor o autor de suas escolhas?

A responsabilidade é do consumidor?

Tenho percebido uma revolta invertida por aí. O consumidor sendo culpado por comprar as cervejas da Ambev, ou de outras grandes. O consumidor sendo cobrado a fazer boicotes. O consumidor sendo insultado por gostar das marcas que fazem parte do portfólio da gigante. O consumidor sendo responsabilizado pelas pequenas não decolarem.

O argumento de dar suporte e apoio às cervejas locais é perfeito, é lindo, mas em nosso país soa um pouco utópico.  Nem todo mundo tem condições financeiras de apoiar as cervejarias artesanais locais. É grana contada no fim do mês. Cervejinha, mesmo das mais baratas, pesa no orçamento e por isso tem sido cortada da lista de compras de muita gente. E aí a pergunta: é melhor não beber cerveja nenhuma a só poder, ou gostar, daquelas que cabem no orçamento, sejam de grandes indústrias ou não? Fora que as cervejarias artesanais compradas pela indústria continuam atuando em seus locais de origem, são cervejas tão locais quanto outras.

Dar preferência ao pequeno produtor é outro argumento social importante. Válido, nem sempre possível. Primeiro porque nem todo produto fabricado em menor escala é sinônimo de qualidade. Não mesmo. Segundo porque tais produtos, novamente, são acessíveis a uma pequena parcela dos consumidores, que pode pagar por eles! Sem contar que a grande maioria da população nem sabe que existe cerveja diferente, local, fabricada em menor escala. Ainda não formamos um contingente razoável de consumidores conhecedores! E neste caso, provoco: Ambev com suas marcas artesanais não pode trazer um público muito maior para esse segmento?

São muitas dúvidas, gente. Muita cerveja ainda para passar por debaixo da ponte. E neste momento enxergar o mercado, intervir e atuar nele eticamente,  exige atenção e estratégia. Boas estratégias, não arremedos de reações. Não é culpando a ponta, onde está o consumidor, que se conseguirá driblar as investidas da grande indústria. Mesmo que o cidadão entenda que os impostos são extorsivos para as pequenas empresas, o que pesa na escolha é o poder de compra dele. A luta é muito maior e simplificá-la, colocando no âmbito do consumo é tiro no pé.

E então, é ou não preciso falar de Ambev?

Fabiana Arreguy

Ver Comentários

  • A questão do festival de Blumenau, ao meu ver, não é por a culpa no consumidor, mas sim mostrar pra ele o quanto as grandes são predadoras. Isso é uma questão conceitual que está se esvaindo e tem que ser ressaltada. Essa é uma das formas de ressaltá-la.

  • Eu acho que a ação da Ambev é sim periogsa, se temos cervejas diferentes no brasil nacionais e importadas é devido aos pequenos, seja pequeno produtor, pequeno distribuidor/importador e pequenos PDV (lojas especializadas), as ações da AMBEV com as grandes redes varejistas como 50% de desconto nos feriados, ou descontos ainda maiores é sim uma atitude predatória não apenas com as micro cervejarias em si, mas com os pontos de vendas também. Sem toda essa estrutura existente nunca teríamos saído da Skol/Brama/Itaipava, uma vez que essas cervejas de larga escala para a Ambev é muito mais lucrativo. Não fosse a lógica competitiva do ponto de vista exclusivo do lucro, 2 ou 3 cervejas diferentes seria muito mais que o suficiente e ideal.

    A longo prazo essa disputa desleal, não apenas com o pequeno produtor, mas também com os PDVs pode diminuir drasticamente a diversidade cervejeira, e que inclusive outras boas cervejarias (como as compradas) surjam. Não vejo com bons olhos enquanto consumidor a atitude da Ambev, no curto prazo é até bom ter cervejas mais baratas mas no longo prazo a variedade e diversidade desse meio vai cair bastante

  • Desculpe se o que estou escrevendo não esta correto. Mas este teu texto parece matéria comprada pela AMBEV para tentar recuperar prestígio no meio das artesanais.

    • Posso te pedir algo? leia novamente, com mais atenção. Me indique aonde está a defesa da Ambev. E, meu caro, se fui comprada informo que levei um cano,pois o dinheiro não entrou.

  • Fabiana
    Concordo com seu ponto de vista, porém como consumidor acho que é direito do mesmo saber exatamente o que compõe a cerveja e seus riscos.
    Isso tudo declarado no rótulo da produto. Porque as cervejarias não são obrigadas a declarar por exemplo se o milho que utilizam são GMO free? Ou por exemplo, qual é o grau de contaminação do milho utilizado como adjunto, com substâncias cancerígenas como DON?
    Vamos trazer tudo à luz da consciência, equilibrando os poderes envolvidos e aí sim o consumidor decidir o que ele quer ingerir.
    Abraços

  • A questão do festival de Blumenau, ao meu ver, não é por a culpa no consumidor, mas sim mostrar pra ele o quanto as grandes são predadoras. Isso é uma questão conceitual que está se esvaindo e tem que ser ressaltada. Essa é uma das formas de ressaltá-la.

  • Eu acho que a ação da Ambev é sim periogsa, se temos cervejas diferentes no brasil nacionais e importadas é devido aos pequenos, seja pequeno produtor, pequeno distribuidor/importador e pequenos PDV (lojas especializadas), as ações da AMBEV com as grandes redes varejistas como 50% de desconto nos feriados, ou descontos ainda maiores é sim uma atitude predatória não apenas com as micro cervejarias em si, mas com os pontos de vendas também. Sem toda essa estrutura existente nunca teríamos saído da Skol/Brama/Itaipava, uma vez que essas cervejas de larga escala para a Ambev é muito mais lucrativo. Não fosse a lógica competitiva do ponto de vista exclusivo do lucro, 2 ou 3 cervejas diferentes seria muito mais que o suficiente e ideal.

    A longo prazo essa disputa desleal, não apenas com o pequeno produtor, mas também com os PDVs pode diminuir drasticamente a diversidade cervejeira, e que inclusive outras boas cervejarias (como as compradas) surjam. Não vejo com bons olhos enquanto consumidor a atitude da Ambev, no curto prazo é até bom ter cervejas mais baratas mas no longo prazo a variedade e diversidade desse meio vai cair bastante

  • Oi Fabiana! Ótimo o seu comentário, mas esse assunto, como vc bem disse, é muito polêmico e precisa ser encarado de frente para que se chegue à uma boa estratégia por parte dos pequenos, mas execelentes produtores. Sou apenas um engenheiro apaixonado por tudo que envolve cervejas e um produtor caseiro, mas percebo que aquilo que me atraiu para esse seguimento, que é o desprendimento do meio, sempre disposto a ajudar os iniciantes, quando sai do caseiro para o profissional, se iguala a todos os outros mercados. O ego e a grana falam mais alto.
    Esse movimento cervejeiro só tomou proporções maiores e chegou ao ponto em que estamos porque houveram pessoas que perceberam que só haveria um futuro para um se muitos fizessem parte deste sonho, então acho que essa máxima deve ser retomada em prol de todos e para o bem dos consumidores, que como eu, adoram experimentar novos sabores a cada dia!
    Parabéns pelo trabalho brilhante que você faz e do qual sou fan!

    • Concordo. A máxima deve ser retomada sim. E que as pequenas que crescem não se voltem contra suas até então companheiras de mercado. Isso também vem acontecendo e ninguém tem coragem de denunciar. " Artesanais" que tomam porte e querem inviabilizar menores no mercado. Estou mentindo? Me digam que só a Ambev faz isso e pronto, atacaremos todos o mesmo inimigo. O buraco é bem mais embaixo e enquanto não formos adultos para atacar o problema de forma estratégica, continuaremos vendo uma empresa gigante se agigantar ainda mais e ditar as regras do mercado.

  • Desculpe se o que estou escrevendo não esta correto. Mas este teu texto parece matéria comprada pela AMBEV para tentar recuperar prestígio no meio das artesanais.

    • Posso te pedir algo? leia novamente, com mais atenção. Me indique aonde está a defesa da Ambev. E, meu caro, se fui comprada informo que levei um cano,pois o dinheiro não entrou.

  • Fabiana
    Concordo com seu ponto de vista, porém como consumidor acho que é direito do mesmo saber exatamente o que compõe a cerveja e seus riscos.
    Isso tudo declarado no rótulo da produto. Porque as cervejarias não são obrigadas a declarar por exemplo se o milho que utilizam são GMO free? Ou por exemplo, qual é o grau de contaminação do milho utilizado como adjunto, com substâncias cancerígenas como DON?
    Vamos trazer tudo à luz da consciência, equilibrando os poderes envolvidos e aí sim o consumidor decidir o que ele quer ingerir.
    Abraços

  • Fabiana
    Concordo com seu ponto de vista de deixar o consumidor escolher o melhor para ele.
    Porém, temos que equilibrar as ações lobistas para ter equilíbrio na contenda.
    Porque não temos leis mais duras na declaração dos componentes que formam a cerveja?
    Porque até hoje as cervejarias não são obrigadas a declarar se o milho que utilizam é GMO free? Ou então qual é o nível de contaminação dos milhos utilizados com substâncias cancerígenas como DON ?
    Qual seria a aceitação dessas cervejas depois dessa regulamentação ? O barato pode sair caro...
    Não acho que lobby para um lado ou para outro vai trazer lucidez à escolha do consumidor, mas clareza das informações sim.

    Abraços

    • Concordo 100 por cento! Dar ao consumidor condições iguais para uma escolha justa é o que devemos fazer sim. Impedir a oferta, no entanto, não me parece ser uma estratégia de informação clara. Eu mesma faço esse tipo de " denúncia" em todas as minhas entrevistas, participações ao vivo com ouvintes da minha coluna. Presto a informação sobre isso porque me sinto no dever. No entanto tenho visto embates pouco claros, principalmente nas redes sociais, com passionalidade, o que também não me parece ser o melhor caminho. Enfim, minha intenção era a de colocar o assunto em discussão aberta mesmo. Obrigada por contribuir!

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