Pão e Cerveja

Ficar calado ou dizer a verdade sobre uma cerveja?

Muitas vezes o cervejeiro nos apresenta sua cerveja, até pede a opinião, mas não aceita bem críticas. Nessas horas o que é melhor? Calar-se ou dizer a verdade?

Ficar calado ou dizer a verdade sobre uma cerveja?

O silêncio é ouro

É natural buscar a opinião de alguém em quem se confie sobre uma nova cerveja produzida. Mesmo convictos da qualidade da produção, pelo sim, pelo não, é melhor saber o que outras pessoas acham dela, ouvir o público, estar perto do consumidor. O grande problema é quando o que se busca não é a opinião verdadeira, mas sim a famosa ” mentira sincera”, o tapinha nas costas, a massagem no ego. E aí eu pergunto: o que é melhor – ficar calado ou dizer a verdade sobre uma cerveja?

Não são raras as vezes em que me pedem o favor de analisar uma cerveja. Chegou a um ponto que tive de passar a cobrar por isso, porque a demanda estava ficando grande demais e minha disponibilidade para experimentar todas as cervejas que me chegavam de menos. Fora o tempo gasto com a análise de cada uma, prestando um favor em nome do crescimento da chamada cultura cervejeira, era desgastante dizer a verdade e fazer um desafeto a partir dali. Não sou adepta das meias palavras, quem me conhece sabe bem disso. E também não concordo em mentir sobre uma cerveja problemática para não ” desanimar” o cervejeiro a continuar produzindo.

Nos erros também aprendemos, às vezes muito mais do que em um único acerto por sorte. Mas estou falando de quem pede a opinião alheia. Não falo daqueles que não querem e nem procuram opinião de ninguém. Nesses casos, daqueles que não precisam saber o que pensam sobre sua cerveja, mas fazem questão de oferecê-la em festas, bares, eventos cervejeiros a todos os conhecidos, faço o difícil exercício de beber e, em caso de não encontrar muitas qualidades, calar minha boca, sem emitir qualquer opinião. Afinal ela não foi solicitada!

Quando faltam elogios…

Desde que comecei a trabalhar com cerveja, como jornalista que fique claro, lá pelos idos de 2007, tomei a decisão de nunca desmerecer cerveja alguma. Não acho construtivo apontar defeitos, ainda mais publicamente, no trabalho dos outros. Sei bem quanto esforço empenhado existe em uma garrafa da bebida. Sei que não se deve criticar, apontar defeitos, zoar um filho. E cervejas são filhas caríssimas a quem as produz. (A não ser em concursos nos quais julgo, quando sou obrigada a dar o mais fidedigno retorno ao produtor, ou nos trabalhos de análise e escolha de rótulos, para os quais sou contratada justamente para emitir um parecer).

Mas, muitas vezes me vejo numa sinuca de bico! Me oferecem a cerveja, geralmente em ambiente público e cheio de gente ao redor, esperando o que tenho a dizer sobre ela. E nem sempre eu posso tecer elogios, porque detecto problemas que prejudicam demais o produto. Quantas cervejas acéticas já peguei pela frente ? ( não eram ácidas intencionalmente, não foram construídas para serem sours). Quantas cervejas com fermentação interrompida antes da hora, extremamente doces no final? Quantas cervejas extremamente lupuladas, cheias de aromas indesejáveis por trás dos lúpulos ? ( eles podem até disfarçar alguns problemas, mas não elimina-los). É nessas horas que vejo o quão difícil é dizer a verdade, ou não dizer.

Exercício de humildade e amadurecimento

Em muitos casos as cervejarias têm se adiantado e contratado pessoas aptas a analisar suas cervejas, ou montado paineis sensoriais, ou formado pessoal interno para desempenhar a função de analisar os produtos. Ótimo sinal de amadurecimento e profissionalização do mercado.

Em Minas Gerais, outro exemplo de busca pela qualidade – Confraria de Minas, formada por mestres-cervejeiros e sommelieres de cerveja, que analisava todos os meses as produções das cervejarias da Região Metropolitana de BH. O grupo, criado em 2018 e desativado este ano, chegou a reunir mais de uma dezena de cervejarias. As reuniões eram um verdadeiro exercício de humildade, pois as críticas não eram amenizadas. E ouvi-las da boca de colegas de mercado devia ser ainda mais difícil! Em compensação, o ganho que se tinha a partir de um feedback embasado, permitindo melhorias importantes nas cervejas, era enorme.

Os concursos, e agora existem muitos, também exercem a função de dar feedback sobre qualidade às cervejarias e sábio é aquele que aceita as fichas de avaliação para repensar seu produto. Ganhar medalha é maravilhoso, mas ter uma descrição completa sobre as cervejas também é um retorno do investimento feito nos concursos.

O importante é entendermos que faz parte do amadurecimento de mercado receber críticas e saber distinguir o que considerar delas. Ao ter um produto comercializado, agradar o público é o objetivo maior. Se não for assim, nem precisa colocar a cerveja à venda, não é mesmo?

O silêncio é ouro

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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